O tráfico de drogas e a vedação à liberdade provisória (Blog do Hassan Souki)

O tráfico de drogas e a vedação à liberdade provisória

Muito se tem discutido atualmente acerca da decisão do STF que declarou inconstitucional o art. 44 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), que proibia a concessão de liberdade provisória nos casos de tráfico de entorpecentes.

Há quem se levante, afirmando que tal decisão reforçaria a impunidade e demonstraria a leniência do Estado no tratamento de tão grave infração penal. Tais “especialistas” bradam que “qualquer medida que atenue as possibilidades de aprisionamento de traficantes afrouxa a política de combate e controle da criminalidade”.

Esquecem-se os referidos “especialistas” da natureza e finalidade da prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, vendo-a como verdadeira antecipação da pena, posto que o “traficante” tem que ser retirado da sociedade.

Ora, a prisão no curso do inquérito ou do processo é, antes de tudo, uma medida cautelar e, portanto, não pode se fundar em um juízo antecipado e inadequado da culpabilidade. Ora, não constitui argumento válido para a prisão do cidadão ou sua manutenção no cárcere, elocubrações acerca de sua periculosidade ou sobre a gravidade da infração penal por ele supostamente cometida.

O que fundamenta uma custódia cautelar é sua necessidade para a tutela dos meios e dos fins do inquérito ou do processo. Ou seja, somente se deve levar ao cárcere quem ainda não foi definitivamente condenado pela prática de uma infração penal, quando tal medida for indispensável para a proteção da colheita de provas e da própria aplicação da lei penal.

Assim, não há qualquer absurdo na decisão do Supremo Tribunal Federal, já que a vedação apriorística da liberdade provisória para o crime de tráfico de entorpecentes se fundamenta única e exclusivamente na gravidade abstrata de tal infração penal, o que, além de violar o princípio da presunção de inocência, impede que o magistrado analise a necessidade/desnecessidade da medida.

Em vista de tal vedação, os presos pela suposta prática do crime de tráfico de entorpecentes eram “jogados em uma vala comum”, todos permaneciam detidos, sendo necessária ou não a sua custódia para a tutela das investigações, da colheita de provas no processo ou da futura (e eventual) aplicação da lei penal. O que se tinha era o sacrifico do indivíduo em nome do “interesse público” (seja lá o que isso for), prática própria de estados autoritários (e a história é rica de exemplos nesse sentido).

E você, que me lê, agora se pergunta: “Quer dizer então que não há mais prisão provisória para acusados pelo crime de tráfico?”. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, caro leitor… A partir da decisão do STF a custódia cautelar investigado/acusado pela prática do delito tipificado no art. 33 da Lei 11.343/06 deverá ser fundamentada pelo magistrado, a quem caberá demonstrar a necessidade da medida extrema, à luz dos elementos probatórios constantes nos autos do inquérito/processo.

Dessa forma, não há mais possibilidade do magistrado converter a prisão em flagrante pelo crime de tráfico de drogas em prisão preventiva (ou manter esta última), sob o argumento de que a lei vedaria a liberdade provisória. Que fique claro, o juiz poderá até manter o cidadão na prisão, mas, para isso, deverá expor, de forma clara, os motivos que levam a decidir de tal forma, demonstrando, com base em elementos probatórios, tanto o fumus comissi delicti quanto o periculum libertatis.

Fica claro, então, que as manchetes alarmistas dando conta de que seriam colocados em liberdade cerca de doze mil “traficantes” são equivocadas, vez que a decisão do STF não determinou que todos fossem soltos, mas apenas declarou que a prisão fundada em mera disposição legal é inconstitucional.

Verifica-se, por fim, a necessidade de uma nova análise, pelos magistrados, dos inquéritos e processos em curso, para que sejam mantidas somente as prisões que se revelem necessárias para a tutela das investigações policiais, da instrução criminal e da futura aplicação da lei penal. Aos demais, liberdade! Em um estado democrático de direito é assim que tem que ser, ainda que os críticos (que, pejorativamente, chamam a defesa do cidadão de “garantismo à brasileira”), esperneiem e espumem pela boca.

via: Blog do Professor Hassan: O tráfico de drogas e a vedação à liberdade provisória.

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