Plano de saúde não pode desconsiderar epidemia ao cancelar contrato, diz STJ

Deixo aqui uma playlist sobre questões envolvendo a pandemia do COVID:

A crise sanitária causada pela epidemia sanitária da Covid-19 não é, por si só, justificativa para que o beneficiário de um plano de saúde atrase o pagamento das mensalidades. Por outro lado, ela não pode ser desprezada pela empresa ao tomar a decisão de rescindir o contrato.

Empresa que sempre tolerou atrasos dos beneficiários escolheu o momento da epidemia da Covid-19 cancelar contrato
Agência Brasil

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado por um plano de saúde que, apesar de tolerar atrasos de pagamento desde 2005, escolheu o auge da epidemia para cancelar o contrato de um casal.

O rito legal exigido para rescisão foi corretamente cumprido. A empresa esperou 60 dias de inadimplência e comunicou formalmente os beneficiários no prazo razoável. No momento da rescisão, no entanto, todas as parcelas atrasadas estavam quitadas, com correção monetária e juros.

Ao ajuizar a ação, o casal confirmou que os atrasos eram anteriores à epidemia da Covid-19, mas que a dificuldade financeira foi causada por reparos necessários ao caminhão que possuem, o qual representa sua única fonte de renda. E que a situação foi agravada pela crise sanitária.

Para o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, a conduta da operadora foi contraditória, pois acatou pagamentos com atrasos desde 2005, mas subitamente decidiu rescindir o contrato no momento em que milhares de brasileiros morreram, muitos sem ter acesso à saúde privada.

Relatora no STJ, a ministra Nancy Andrighi concordou. Destacou que a rescisão por inadimplemento deve ser considerada a última medida, e que o dever da boa-fé impõe que a operadora de plano de saúde aja visando à preservação do vínculo contratual.

“Cabe salientar que a situação de pandemia não constitui, por si só, justificativa para o não-pagamento, mas é circunstância que, por seu grave impacto na situação socioeconômica mundial, não pode ser desprezada pelos contratantes, tampouco pelo Poder Judiciário”, afirmou a relatora. A votação foi unânime.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 2.001.686

Fonte: CONJUR.

Decisão do STJ divide opiniões e não deve contribuir para reduzir judicialização

Sobre o caso:

A decisão da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça de definir como taxativo o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que serve como referência mínima para os planos de saúde, além de dividir opiniões, não contribui para resolver o maior problema do setor: a hiperjudicialização.

Especialistas consultados pela ConJur destacaram que, na prática, pouca coisa muda. Ao considerar o rol taxativo, o STJ permite que as operadoras recusem cobertura de procedimentos prescritos por médicos de forma ampla, como já ocorre.

E, ao permitir que a taxatividade seja superada em casos excepcionais, a corte mantém a porta aberta para disputas judiciais tão comuns na pauta dos colegiados de Direito Privado. A tese firmada, inclusive, estabelece critérios que devem ser utilizados pelo julgador para avaliar a excepcionalidade de cada caso.

A advogada Raissa Simenes Martins, do escritório Finocchio & Ustra Advogados, afirmou que, nos moldes em que a tese foi fixada, ela não serve para pacificar o tema, diante da avalanche de processos sobre cobertura de tratamentos não previstos. “Não houve alteração substancial do cenário atual, pois os efeitos econômicos da ausência de previsibilidade jurídica permanecerão impactando consumidores e empresas”.

Dyna Hoffmann, do escritório SGMP+ Advogados, opinou que os pontos de exceções admitidos pelo STJ vão motivar a criação de novas controvérsias. “Dessa forma, fica tudo como está. Os planos continuarão seguindo o rol da ANS e as pessoas que precisam de tratamentos especiais ficam sem cobertura, devendo utilizar o SUS ou rede privada”.

Segundo Luciana Munhoz, do escritório Maia e Munhoz Consultoria e Advocacia, a “novidade” limita a possibilidade de os planos de saúde abarcarem tratamentos que o SUS não conseguiria entregar aos segurados, devido aos seus problemas estruturais. “Certamente, a decisão do STJ pode causar uma pressão muito maior de judicialização no SUS, tendo em vista que a saúde é um direito que tem de ser entregue pelo Estado”.

Já Wilson Sales Belchior, do RMS Advogados, discorda. Ele destacou que um dos principais aspectos do julgamento foi justamente a definição de critérios para interpretação do rol da ANS, o que reduz a chance de usar decisões judiciais para criar normas para um setor amplamente regulado.

“A expectativa é que se reduza a judicialização na saúde suplementar a partir da fixação, pelo STJ, de critérios claros para a interpretação pelo Judiciário dos contratos desse setor”, disse ele.

Presidente da Comissão de Direito Médico e de Saúde da OAB-SP, Juliana Hasse afirmou que, a partir de agora, faz-se mais necessário o estudo e o conhecimento da área de saúde privada com a profundidade merecida, tanto pelos advogados que militam no mercado quanto pelo Poder Judiciário.

“Também é importante a participação das instituições, como a Ordem dos Advogados do Brasil, na interface com outras entidades que são partícipes na construção de entendimentos, pois entre as exceções para cobertura de dois procedimentos fora do rol serão levadas em consideração as recomendações de órgãos técnicos de renomes nacionais”.

Segurança e equilíbrio
A posição vencedora no julgamento, praticada até então pela 4ª Turma do STJ e apresentada no voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, defende a taxatividade mitigada do rol da ANS como uma conclusão apta a preservar o equilíbrio financeiro-econômico dos contratos e, de forma geral, todo o sistema de saúde suplementar.

Segundo o ministro, abrir muito a possibilidade de obrigar os planos de saúde a custear todo e qualquer tratamento aumentaria os custos das operadoras, elevaria as mensalidades, causaria prejuízo e evasão em massa e ainda aumentaria a pressão sobre os serviços do SUS.

Para Isabela Pompilio, sócia do escritório Tozzini Freire Advogados, a 2ª Seção encontrou uma saída equilibrada para a questão. “Dessa forma, mantém o equilíbrio econômico e financeiro das operadoras, evitando que os consumidores arquem com aumentos inesperados pela inclusão de novas tecnologias no rol ou, ainda, suportando tratamentos ineficazes. Por outro lado, referida taxatividade deve ser mitigada em situações excepcionais”

Paula Las Heras, sócia-fundadora do escritório LLH Advogados, chamou a atenção para a recente mudança de periodicidade com que a ANS deve atualizar o rol de procedimentos, de dois anos para seis meses. “Não se pode ignorar que o alcance da cobertura influencia diretamente a precificação do seguro saúde, e a flexibilização, como regra geral, dificultaria o acesso dos menos favorecidos à saúde privada em razão do aumento do preço ajustado”.

Outro a aprovar a posição do STJ foi Marcio Vieira Souto Costa, sócio do escritório Sergio Bermudes, que representou a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) na ação. “Ao contrário de alegações divulgadas, na verdade, o rol taxativo garante o acesso a tratamentos seguros, avaliados e reconhecidos por reguladores e órgãos responsáveis pelo atendimento à saúde, a semelhança do que ocorre em todo o mundo”.

De acordo com Guilherme Valdetaro, sócio do escritório Sergio Bermudes, a atualização do rol da ANS trará benefícios aos usuários. “Além da segurança jurídica e da sustentabilidade da saúde suplementar, a taxatividade do rol garante a inclusão de procedimentos de fato eficazes, com base em estudos científicos, para garantir a segurança dos pacientes que utilizam os planos de saúde”.

Henderson Fürst, presidente da Comissão Especial de Bioética da OAB-SP, entende que a decisão privilegia a sustentabilidade do sistema. “Todavia, ignora que há casos de urgência que não comportarão o tempo para preencher os requisitos estabelecidos para mitigar, e também confunde o papel da Conitec e do Natjus, orgãos do SUS,  bem como da comissão de incorporação, ao estabelecer que deverão ser ouvidos para que se mitigue o rol.”

Retrocesso ao consumidor
Para parte dos especialistas ouvidos pela ConJur, os efeitos do julgamento do STJ serão mais sentidos de forma negativa pelo consumidor, especialmente em um momento pós-pandemia. Muitos acreditam que a tese firmada apenas legitima a prática amplamente difundida no mercado de dificultar ao máximo a cobertura em busca de menos gastos.

Para Washington Fonseca, sócio do Fonseca Moreti Ito Stefano Advogados, os planos vão ficar muito mais à vontade e vão ter a legitimidade para negar tratamentos necessários. Ele apontou os elevados lucros das operadoras e classificou o resultado no STJ como lamentável e triste. “Acredito que, com o passar do tempo, essa decisão vai mudar, mas, infelizmente, de maneira imediata ela vai ser aplicada aumentando a judicialização”.

Nycolle Araújo Soares, sócia do Lara Martins Advogados, vê o cenário como amplamente favorável aos planos de saúde. “Para os beneficiários, um verdadeiro retrocesso. Os convênios médicos poderão rejeitar a coberturas dos procedimentos que não estejam elencados no rol. A decisão é passível de recurso ao STF, há a exceção nos casos em que não houver tratamento previsto no rol, mas de todo modo a discussão sobre as coberturas se torna ainda mais difícil para os beneficiários”.

A advogada Renata Abalém, diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte, disse que, a partir da publicação dos votos, beneficiários poderão ter cassados os seus direitos adquiridos inclusive por meio de liminar. “Lamentável a decisão por maioria do STJ”.

Segundo Idalvo Matos, do escritório BMF Advogados Associados, “não existe nenhuma garantia de que, com essa decisão, o valor das mensalidades cairá. Os planos vão ficar desobrigados de custear vários tratamentos e isso é um retrocesso para os pacientes e para os consumidores”.

“Lamentavelmente, hoje, com a chancela do STJ, o rol da ANS se torna um instrumento dos planos de saúde contra a pretensão legítima de cobertura dos consumidores e consumidoras do sistema”, criticou Vitor Boaventura, sócio de Ernesto Tzirulnik Advocacia. Para ele, a decisão é mais um revés para os direitos dos consumidores e consumidoras de planos de saúde no Brasil.

“Mais do que nunca, é necessário discutir mecanismos de controle social da ANS, e de transparência sobre os seus procedimentos de tomada de decisão, como a própria fixação e revisão dos procedimentos do rol, evitando-se assim a captura regulatória da ANS pelos planos de saúde, resguardando-se, minimamente, o legítimo interesse e o direito dos consumidores e consumidoras de planos de saúde de todo o país”, complementou ele.

Fernanda Zucare, especialista em Direito do Consumidor e sócia do escritório Zucare Advogados Associados, vai pelo mesmo caminho. “A decisão é um retrocesso muito grande que impactará a vida de milhares de pessoas que necessitam de medicação e tratamentos para ter uma vida digna. A alegada ‘insegurança jurídica’ dos planos de saúde recairá diretamente no direito à vida e à saúde da população. Além disso, a lista da ANS é precária e não acompanha a evolução da Medicina. Além disso, ainda interfere no ato médico. Por qualquer ângulo, é uma aberração esse julgamento”.

Fonte: CONJUR.

Dica de Leitura: “Políticas de prevenção e tratamento de HIV-AIDS no Brasil e Portugal: direito à saúde e crise econômica”

Acaba de serem publicados os anais do “IV Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política”, ocorrido em SP, em 2020.

Entre os textos um artigo coescrito por Alexandre Bahia e Rainer Bomfim: “Políticas de prevenção e tratamento de HIV-AIDS no Brasil e Portugal: direito à saúde e crise econômica“.

O artigo pode ser consultado aqui.

E o livro completo está disponível para download gratuito aqui.

Tenho um vídeo falando sobre o tema:

TJSP Decide que Plano de Saúde pode Negar Direito à Saúde Integral de Segurada Trans

A pessoa que está descontente com seu corpo e quer fazer uma transformação física para aumentar a autoestima e a saúde psicológica deve suportar os custos dos procedimentos nos casos em que estes tenham natureza exclusivamente estética.

Com base nesse entendimento, a 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo [que já decidiu que chamar pessoa trans de “raça desgraçada” é liberdade de expressão…], ao reformar sentença de primeiro grau, isentou uma operadora de plano de saúde de custear uma cirurgia de redesignação sexual.

A ação foi movida por uma mulher transexual após o plano de saúde ter negado a cirurgia. Em primeira instância, a operadora tinha sido condenada a custear o procedimento, além de pagar indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil.

No recurso ao TJ-SP, a operadora alegou que a recusa era lícita por se tratar de uma cirurgia “de cunho estético” e que a própria autora afirmou em sua peça inicial que, após os procedimentos legais para troca de nome e a hormonioterapia, “encontra-se segura e satisfeita com o avanço obtido pelo tratamento multidisciplinar”.

Ao acolher o recurso, o relator, desembargador Galdino Toledino Júnior, falou em “opção pessoal de transexualidade”, o que “não constitui doença tratável”. Da documentação anexada aos autos, em especial relatórios de assistente social, médico, psicológico e psiquiátrico, o magistrado afirmou que a autora não apresenta sinais, sintomas ou indícios clínicos de transtorno mental.

“A transexualidade não é uma patologia, mas uma opção pessoal da pessoa, perfeitamente aceitável, sem qualquer motivo para repercussão negativa, seja no mundo social como jurídico. Daí porque, esse fato não lhe pode, igualmente, trazer benefícios diversos daqueles que é assegurado à pessoa que não a exerça, ou seja, aquela que conviva harmoniosamente com o corpo que nasceu”, afirmou o desembargador.

Para o relator, o plano de saúde contratado pela autora tem cobertura para problemas de saúde, e não para procedimentos opcionais que não estejam diretamente ligados a seu estado de saúde, à necessidade de preservação ou recuperação dela.

“Sendo assim, lícita a negativa da ré de cobertura do procedimento pretendido pela autora, não havendo, assim, que se falar em condenação da ré no pagamento de indenização por danos morais”, concluiu o desembargador. A decisão se deu por unanimidade. 

1001264-70.2021.8.26.0011

Fonte: Conjur.

Quem quiser ler o acórdão, está disponível aqui.

Ver também:

TJ/MT: Plano deve cobrir cirurgia de mudança de sexo de jovem trans

Aqui uma Playlist sobre Direitos de LGBT+:


A operadora também deverá custear duas cirurgias de redesignação facial.

A 2ª câmara de Direito Privado do TJ/MT rejeitou recurso de um plano de saúde e manteve decisão liminar que o obriga a cobrir cirurgias de redesignação sexual e facial de uma jovem trans. A relatora do caso é a desembargadora Clarice Claudino da Silva.

A estudante de 20 anos nasceu com o sexo biológico masculino e há anos passa pelo processo de transição para o feminino. À Justiça, ela pediu que o plano de saúde autorize e custeie os procedimentos de reconstrução genital para restauração da forma e função da genitália, rinoplastia reparatória e cirurgia de reconstrução craniana.

A solicitação foi atendida pelo juízo da 4ª vara Cível de Cuiabá, motivo pelo qual o plano de saúde recorreu ao TJ/MT.


Para justificar a negativa, a operadora alegou que a jovem estaria no período de carência contratual e destacou que, ao preencher a declaração de saúde, ela não teria informado patologias preexistentes, fraudando informações essenciais ao ajuste do plano de saúde.

Em sede de agravo de instrumento, ao votar pelo desprovimento do recurso, a relatora citou a súmula 597 do STJ, que diz que a cláusula contratual de plano de saúde que prevê carência para utilização dos serviços de assistência médica nas situações de emergência ou de urgência é considerada abusiva se ultrapassado o prazo máximo de 24 horas contado da data da contratação.

“Nesse passo, em sede de cognição sumária, entendo que está demonstrada a urgência na realização dos procedimentos cirúrgicos solicitados, a negativa de cobertura e, também, o dano grave, eis que afirmado pelos médicos no Laudo Multidisciplinar o risco para a vida da Agravada face à gravidade do seu quadro psiquiátrico.”

A magistrada ressaltou que não se trata de declarar nula desde logo a cláusula contratual que estipulou o prazo de carência, posto que ela é perfeitamente válida, mas de aplicação da exceção prevista em lei, qual seja, flexibilidade do prazo de carência em casos de comprovada urgência, pelo menos até a completa instrução probatória.

“Corroborando nesse sentido, impende salientar que o prazo de carência não pode servir de óbice à efetiva prestação do serviço, ou seja, o referido prazo não deve ser levado em consideração em caso de urgência ou emergência, em detrimento da proteção à saúde da paciente.”

A decisão do colegiado foi unânime.

Processo: 1007912-19.2021.8.11.0000
Veja o acórdão.

Fonte: Migalhas

Ver também:

#BiroscaNews 52: Por que tanta demora na vacinação e na responsabilização do Presidente?

Falamos sobre o SUS, que possui normas e estrutura capazes de ampla vacinação contra o COVID – como já faz, há anos, com outras doenças.

Falamos sobre a responsabilização que recai (ou deveria recair) sobre o Presidente da República e/ou o Ministro da Saúde quanto à demora excessiva em vacinar a população – aliás, em adquirir as vacinas e/ou os insumos para sua produção.

Tais autoridades são responsáveis quando disseminam discurso contrário às medidas de prevenção, ou defendem o uso de medicamentos “preventivos” à COVID sem evidência científica, quando desacreditavam as vacinas e agora fazendo de tudo, aparentemente, para atrasar a imunização da população.

Sobre isso ver: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55881435

Dica de Leitura: “Prevenção e tratamento de HIV-AIDS para HSH e mulheres trans/travestis: crises e desafios”

Disponível para download gratuito aqui.

Livro coescrito por: Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia e José Manuel Peixoto Caldas

O presente livro é o resultado de um ano de pesquisa – sendo que destes seis meses no Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto – Portugal. Disponível para download gratuito aqui ou aqui.

Antes de mais nada cabe responder à pergunta: cabe ainda se falar em HIV-AIDS no Brasil? Não seria esse um problema superado, ou ao menos, residual? Nos últimos anos nos acostumamos no Brasil a pensar que esse já não era um problema que merecesse grande atenção, a uma porque teríamos um programa exemplar, reconhecido mundialmente, e, de outro, que, após tantos anos de campanhas e desenvolvimento de tratamentos, a AIDS deixou de ser uma doença mortal para se tornar um problema crônico de um número cada vez menor de pessoas. Sem embargo, estamos mesmo perto do “fim da AIDS”?  

Como procuraremos mostrar aqui, ainda que haja verdade em algumas das assertivas acima, de outro lado, há que se considerar ou seu anacronismo e/ou ideologia. A AIDS, de fato, se tornou uma doença “somente” crônica (como se isso não fosse ainda um problema), realmente o Brasil foi, entre os anos 1990 e 2000 um exemplo mundial de prevenção e tratamento e é verdade que têm surgido novos medicamentos, inclusive para impedir a possibilidade de contágio – a PrEP, com 95% de eficiência. No entanto, há problemas sérios que precisam ser enfrentados: a política nacional deixou de ser um modelo há algum tempo, uma vez que, por exemplo, o país enfrenta uma nova onda de infecções principalmente entre os mais jovens; não há mais grandes campanhas e/ou discussões governamentais sobre prevenção que sejam diretas, abertas e/ou dirigidas para as chamadas populações-chave; muito da retração se dá por cortes de orçamento público devido à “crise econômica” mas também devido ao aumento do conservadorismo na política; os mais jovens não têm usado preservativos (ou adotado alguma outra forma de prevenção ou de redução de risco) com a frequência necessária e que se poderia pensar em um país com a tradição que temos sobre o tema. Estamos, enfim, diante de um grave problema que toca o Direito Fundamental à Saúde e a Saúde Pública-coletiva.

Nº de pág.: 179

ISBN: 978-65-87340-81-4

DOI: 10.22350/9786587340814

Vítimas invisíveis: pessoas LGBT+ na pandemia de Covid-19

por Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia e Emerson Erivan de Araújo Ramos
9 de julho de 2020

le mondeA ordem de distanciamento físico entre os indivíduos e a determinação de recolhimento no espaço doméstico são mais difíceis de serem cumpridas pelas pessoas LGBT+ e, mesmo quando cumpridas, acabam muitas vezes por se tornar fatores de risco em outros âmbitos

Em virtude do alto poder de contágio do novo coronavírus, as autoridades públicas da maior parte do mundo passaram a conjugar dois importantes métodos no combate à pandemia de Covid-19: o distanciamento físico e os protocolos de higiene. A redução do contato físico através de uma nova gestão do espaço e os protocolos sanitários tornaram-se métodos essenciais para diminuir a velocidade com a qual o vírus se alastra, amenizando a pressão que este causa sobre os sistemas de saúde dos países onde se instala.

Ao passo que a gestão do espaço e os protocolos de higiene são importantes formas de proteção da vida e da saúde em meio à crise sanitária, são também medidas que só conseguem ser cumpridas com a existência de uma rede de amparo social que permita às pessoas em situação de vulnerabilidade as condições necessárias para segui-las. Isso porque o combate ao novo coronavírus, para ter sucesso, exige uma engenharia social que necessita do cumprimento de demandas primárias como segurança alimentar, boas condições sanitárias, ambiente doméstico seguro, etc. Esse conjunto de demandas indica que a experiência pandêmica põe à prova as redes de solidariedade necessárias para a sobrevivência da própria espécie humana.

É por isso que, mesmo em tal momento em que a vulnerabilidade de toda a vida humana é exposta pela pandemia de maneira tão cruel, alguns sujeitos possuem mais recursos do que outros para o enfrentamento à doença. Com efeito, ainda que a primeira onda de coronavírus no Brasil tenha se dado entre as pessoas mais abastadas que viajaram aos países afetados pela doença no início do ano, os riscos de exposição a Covid-19 não são iguais entre todas as pessoas em um país tão desigual quanto o Brasil. Com as recomendações para isolamento social em vigor, as desigualdades de raça, classe e gênero apresentaram-se gritantemente diante de nós[1]. É nesse sentido que vale lembrar o que escreveu Judith Butler[2] na mesma época em que nosso país começou a adotar medidas de distanciamento físico pelo início dos casos de transmissão comunitária: “A desigualdade social e econômica garantirá a discriminação do vírus. O vírus por si só não discrimina, mas nós humanos certamente o fazemos, moldados e movidos como somos pelos poderes casados do nacionalismo, do racismo, da xenofobia e do capitalismo”.

Desastres naturais

Dentre as discriminações levantadas por Butler como relevantes, acrescentamos outras duas: o gênero e a sexualidade. A experiência social tem nos mostrado que os grandes desastres costumam ampliar a vulnerabilidade da população LGBT+, intensificando problemas preexistentes aos cenários de crise. Um forte exemplo disso foi o aumento da violência contra essa população após o terremoto que atingiu o Haiti em 2010, onde morreram cerca de 220 mil pessoas e mais 1,5 milhão ficou sem abrigo.

Com a morte de amigos e familiares, bem como a devastação dos meios de subsistência, as pessoas LGBT+ perderam boa parte de sua rede de proteção social. Muitas tiveram que se abrigar em campos de refugiados superlotados, com banheiros púbicos e pouca segurança. Conjugando esses fatores com a suscetibilidade desses grupos às diversas formas de violência, o estupro corretivo tornou-se frequentes nos campos de refugiados, impondo readequações na performance de gênero desses sujeitos, a fim de evitarem ser reconhecidos como lésbicas, gays, bissexuais ou transgêneras/os[3].

O terremoto no Haiti, entretanto, não foi um episódio isolado. O tsunami de 2004 no Oceano Índico, a erupção de 2010 no monte Merapi (Indonésia), o ciclone Winston que atingiu o Pacífico Sul em 2016[4], entre outros desastres de iguais dimensões, afetaram sobremaneira as pessoas LGBT+. Em especial, isso esteve relacionado às consequências comuns dessas tragédias: os meios de subsistência desses sujeitos foram atingidos com maior intensidade e a ruptura social proporcionada por esses eventos gerou novos contextos mais propícios à violência.

Pandemia

Fenômeno semelhante acontece no atual momento da pandemia de Covid-19. A ordem de distanciamento físico entre os indivíduos e a determinação de recolhimento no espaço doméstico são mais difíceis de serem cumpridas pelas pessoas LGBT+ e, mesmo quando cumpridas, acabam muitas vezes por se tornar fatores de risco em outros âmbitos.

Por serem sujeitos que costumam encontrar mais dificuldades de inserção no mercado de trabalho, são mais facilmente absorvidos por empregos precários do mercado informal. O caso das prostitutas e drag queens representa bem as condições de trabalho das pessoas LGBTs. A falta de proteção laboral e a renda dependente do dia trabalhado levam essas pessoas à completa falta de recursos para suprir as condições básicas de existência, tais que alimentação e moradia[5]. Para se ter ideia desse quadro, basta citar um exemplo: segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% da população trans está na prostituição ou utilizou-se dela como fonte de renda algum dia[6]. Sobrerrepresentadas no mercado de trabalho informal e sem proteções laborais garantidas por lei, boa parte da comunidade LGBT+ não consegue se abrigar em casa, ainda que o governo venha distribuindo um auxílio emergencial no valor de R$ 600. A escolha acaba sendo entre a fome provocada pelo isolamento físico e o risco de contaminação do trabalho nas ruas.

Além desse fato, o espaço doméstico pode ser um ambiente particularmente hostil para as pessoas LGBT+ em virtude da frequente discriminação que sofrem, aumentando a exposição à violência doméstica e familiar. O não reconhecimento da orientação sexual ou da identidade de gênero desses sujeitos os obriga a conviverem com situações cotidianas de violência física e psicológica, especialmente quando estão envolvidos contextos de lockdown ou toque de recolher. Fenômeno que se torna mais preocupante no Brasil em virtude de seus altos índices de violência contra a população LGBT+.

Um dado que ainda não foi suficientemente repetido sobre o Brasil é o de que, desde a criação do projeto Trans Murder Monitoring (Monitoramento de Assassinatos Trans) em 2008 pela ONG Trangender Europe (TGEU), ele tem sido apontado como o que mais mata travestis e transexuais no mundo. Entre outubro de 2018 e setembro de 2019, o Brasil foi responsável por 39% desses assassinatos[7], onde foram executadas 130 das 331 pessoas trans mortas em todo o globo nesse período.

Esses números, entretanto, tendem a ser maiores este ano. Os três relatórios sobre assassinatos de travestis e transexuais publicados pela ANTRA em 2020 revelam um considerável aumento no número de casos. No primeiro semestre deste ano, já foram executadas 89 pessoas trans, um número 39% maior do que no mesmo intervalo do ano passado. Além disso, são maiores também os casos de suicídios. Enquanto em todo o ano passado suicidaram-se 17 travestis e transexuais, já foram 14 vítimas só no primeiro semestre de 2020[8].

Ainda que a relação entre o aumento do número de crimes violentos contra pessoas trans e dos casos de suicídio, como efeitos sociais da pandemia de Covid-19, demande estudos mais precisos, há indícios suficientes que nos fazem acreditar em uma intensificação da vulnerabilidade das pessoas LGBT+ na atual crise sanitária. O acúmulo de experiências nesse sentido nos casos de desastres de grandes proporções é um padrão analítico importante para compreender o que está acontecendo com essa comunidade durante a pandemia.

A ausência de reconhecimento gera injustiças na distribuição de bens e serviços essenciais para a perpetuação da vida[9], injustiças que se tornam mais fortes em momento de catástrofe. Em épocas de escassez de recursos, aquilo que resta é distribuído entre aqueles que possuem maior reconhecimento social, entre as vidas que mais importam. Esse fenômeno enfraquece a rede de amparo social de uma população que já se encontrava mal inserida no mercado de trabalho e era frequentemente alvo de violências normativas[10], ampliando as assimetrias sociais preexistentes. É através desse movimento que o gênero e a sexualidade tornam-se fatores decisivos na distribuição dos recursos sociais necessários para a sobrevivência durante a crise sanitária. E é por isso que são categorias de análise indispensáveis para compreender a sociedade em tempos de pandemia.

 

Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia é Doutor em Direito (UFMG) é professor adjunto na UFOP e IBMEC-BH. E-mail: alexandre@ufop.edu.br.

Emerson Erivan de Araújo Ramos é mestre em Direito e doutor em Sociologia (UFPB). Prof. na UNIFIP. E-mail: eearamos@gmail.com.

 

[1] Como provoca Viviane Gonçalves Freitas: “Quem pode fazer home office? Quem pode comprar o básico que seja para se manter em meio a uma crise econômica que se aprofunda a cada dia? Quem pode seguir as regras de higienização constantes com água e sabão, uso de álcool gel e distanciamento dentro e entre moradias? Quem consegue atendimento adequado e a tempo de evitar uma piora no quadro ou até a morte? A quem cabe a maior parcela dos cuidados com a casa e com idosos e crianças em meio à pandemia?”. FREITAS, Viviane. As mulheres negras e a pandemia do coronavírus. InBoletim nº 44: Cientistas Sociais e o coronavírus. Disponível em: http://www.aba.abant.org.br/noticia-16459. Acessado em 15 jun. 2020.

[2] BUTLER, Judith. O capitalismo tem seus limites. Blog da Boitempo, 20 de mar. de 2020. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2020/03/20/judith-butler-sobre-o-covid-19-o-capitalismo-tem-seus-limites/. Acessado em 22 jun. 2020.

[3] IGLHRC; SEROvie. The Impact of the Earthquake, and Relief and Recovery Programs on Haitian LGBT People. Disponível em: https://outrightinternational.org/sites/default/files/504-1.pdf . Acessado em 22 jun. 2020.

[4] OUTRIGHT Action International. Vulnerability amplified: the impact of the COVID-19 pandemic on LGBTIQ people. New York: [s.n.], 2020. Acessado em 22 jun. 2020.

[5] O relatório Vulnerability Amplified elaborado pela ONG OutRight Action International oferece uma excelente análise a nível mundial desse quadro preocupante.

[6] ASSOCIAÇÃO Nacional de Travestis e Transexuais. Governo anuncia R$ 200,00 mensais para autônomos de baixa renda. Disponível em: https://antrabrasil.org/noticias/. Acessado em 29 jun. 2020.

[7] TRANSGENDER Europe. TMM Update Trans Day of Remembrance 2019. Disponível em: https://transrespect.org/en/tmm-update-trans-day-of-remembrance-2019/. Acessado em 29 jun. 2020.

[8] ASSOCIAÇÃO Nacional de Travestis e Transexuais. Boletim nº 03/2020: Assassinatos contra travestis e transexuais em 2020. Disponíveis em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2020/06/boletim-3-2020-assassinatos-antra.pdf. Acessado em 29 jun. 2020.

[9] Remetemos aqui aos conceitos de justiça por reconhecimento e justiça redistributiva em: FRASER, Nancy. Scales of justice: reimagining political space in globalizing world. New York: Columbia University Press, 2010.

[10] Conceito apresentado por Judith Butler no prefácio à edição de 1999 da obra Problemas de Gênero e que descreve uma forma de violência orientada para o enquadramento normativo dos sujeitos. BUTLER, Judith. Gender trouble: feminism and the subversion of identity. London, New York: Routledge, 2002.

 

Texto publicado no Le Monde Diplomatique.

Dica de Leitura: “Direito à saúde, jurisdição constitucional e estado de emergência constitucional: uma perspectiva crítica da pandemia”

direito e praxis

Acaba de ser publicado texto que escrevi com o Prof. Dr. Diogo Bacha e Silva: “Direito à saúde, jurisdição constitucional e estado de emergência constitucional: uma perspectiva crítica da pandemia“.

Resumo: O artigo busca explorar o impacto jurídico da pandemia do COVID-19 em nosso sistema constitucional. Partindo da diferenciação entre estado de exceção e estado de emergência constitucional, a questão do enfrentamento da pandemia deve ter uma resposta dentro dos quadros estabelecidos pela Constituição de 1988. Além do mais, as respostas dos poderes públicos trouxeram à tona qual o federalismo que pretendemos proteger e concretizar a partir da repartição das competências. A resposta é um federalismo assimétrico e descentralizado para o enfrentamento das dificuldades sanitárias do coronavírus. Por último, a pandemia possibilitou um repensar crítico no próprio direito à saúde e como a tradição jurídica hegemônica o encara em uma perspectiva colonial.

Rev. Direito e Práxis, 12 (2), Apr-Jun 2021 • https://doi.org/10.1590/2179-8966/2020/50341 

Why Did Roberts Change His Mind? by Ronald Dworkin

Why Did Roberts Change His Mind?

Ronald Dworkin

US Supreme Court Chief Justice John Roberts, July 13, 2006

Above all, we should celebrate. The Supreme Court, by a 5-4 vote, has left President Obama’s Affordable Health Care Act almost entirely intact. So the United States has finally satisfied a fundamental requirement of political decency that every other mature democracy has met long ago, and that a string of Democratic presidents, from FDR to Bill Clinton, tried and failed to secure for us. We finally have a scheme for national health care provision that protects every citizen who wants to be protected.

The Affordable Care Act does not change America’s tradition of using private health insurance as the basic vehicle for financing medical care. The system it creates is therefore less efficient and rational than a single-payer system like Great Britain’s in which the national government employs doctors and hospitals and makes them available to everyone. But a single-payer approach is politically impossible now, and the Act erases the major injustices that disgraced American medicine in the past. Private insurers are now regulated so that, for example, they cannot deny insurance or charge higher premiums for people who are already sick. The Act subsidizes private insurance for those too poor to afford it, and extends the national Medicaid program so that it can provide care for all of the very poor.

But it is nevertheless depressing that the Court’s decision to uphold the Act was actually a great surprise. Just before the decision the betting public assumed, by more than three to one, that the Court would declare the Act unconstitutional. They could not have formed that expectation by reflecting on constitutional law; the great majority of academic constitutional lawyers were agreed that the Act is plainly constitutional. People were expecting the Act’s defeat only because they had grown used to the five conservative justices ignoring argument and overruling precedent to remake the Constitution to fit their far-right template.

It was Chief Justice Roberts, who had never voted with the liberals in a 5-4 decision before, who provided the decisive vote for upholding the Act. He said that the Act should be construed as a tax, and therefore valid because Congress has an undoubted power to “lay and collect taxes.” In an article for the next issue of The New York Review, I will describe and criticize his arguments and those of the other justices. Here, I will concentrate on why the Chief Justice voted as he did. There is persuasive internal evidence in the various opinions the justices filed that he intended to vote with the other conservatives to strike the Act down and changed his mind only at the very last minute. Commentators on all sides have speculated furiously about why he did so. One popular opinion among conservative talk-show hosts suggests that Roberts has been a closet liberal all along; another that he has suffered a mental decline [meu comentário: afirmações como essas, dos conservadores americanos, só mostram q eles têm problemas mentais sérios].

Almost no one seems willing to accept Roberts’ own explanation: that unelected judges should be extremely reluctant to overrule an elected legislature’s decision. His own judicial history thoroughly contradicts that explanation. In case after case he has voted, over the dissenting votes of the liberal justices, to overrule state or congressional legislation, as well as past settled Supreme Court precedents, to reach a result the right-wing in American politics favored. Consider his vote in the regrettable 2010 Citizens United case, which overruled a variety of statutes to declare that corporations have the free-speech rights of people, and therefore have the right to buy unlimited television time to defeat legislators who do not behave as they wish. The majority’s opinion in that case insisted that such corporate expenditures would not create even the appearance of corruption.

This year the State of Montana pleaded with the Court to reconsider its judgment in Citizens United: the State said that the amount and evident political impact of corporate electioneering in the two years since had conclusively demonstrated a risk of corruption. Roberts and the other conservatives did not bother even to explain why they would not listen to evidence for that claim; they just declared, in an unsigned opinion, over the protests of the liberal justices, that they would not.

It is therefore hard to credit that, only a short time after that contemptuous refusal, Roberts has been converted to a policy of extreme judicial modesty. Most commentators seem to have settled on a different explanation. Recent polls have shown that the American public has become increasingly convinced, by the drum-roll of 5-4 decisions reflecting a consistent ideological split, that the Supreme Court is not really a court of law but just another political institution to be accorded no more respect than other such institutions. Roberts, as Chief Justice, must feel threatened by this phenomenon; the Chief Justice is meant to be a judicial statesman as well as a judge, and it is part of his responsibility to maintain public respect for the Court for being above politics. Perhaps he thought it wise, all things considered, to take the occasion of an extraordinarily publicized case to strike a posture of judicial reticence by deciding contrary to his own evident political convictions.

He might have been particularly inclined to do so in view of the large number of politically charged cases scheduled for hearing next year, beginning in October, a month before the presidential election. The Court will have the opportunity to overrule its 2003 decision allowing state universities to take an admission candidate’s race into account, as one consideration among others, in seeking a diverse student body. The conservative justices might wish to abolish affirmative action altogether, or to impose more stringent restrictions on it.

They will also have the opportunity to reverse lower courts by upholding Congress’s Defense of Marriage Act, which forbids federal agencies to treat gay marriages as real, for example by allowing a gay couple to file a joint income tax return. The Court will be asked to strike down an important part of the Civil Rights Act of 1965, which requires states with a particularly bad voting rights record to seek federal permission for new changes in their election laws. Moreover, it may soon find a chance further to constrict or even to abolish abortion rights.

Roberts may want to blunt the anticipated accusations of political partisanship that any right-wing decisions in these cases will likely attract by supporting Obama’s heath care program now. If so, he will have been immeasurably helped by his new enemies in the right-wing media who are painting him as a secret liberal, or as a turncoat villain with a deteriorating mind.


*This is the first of two posts on the Supreme Court’s surprising 2011-2012 term. Tomorrow: David Cole on why liberals are having trouble celebrating their Supreme Court victories.*

July 9, 2012, 2:05 p.m.

in: Why Did Roberts Change His Mind? by Ronald Dworkin | NYRblog | The New York Review of Books.

Suprema Corte dos EUA enfrenta momento de discórdias pessoais

Suprema Corte dos EUA enfrenta momento de discórdias

Por João Ozorio de Melo

A Suprema Corte dos Estados Unidos vive uma crise, com raízes na divisão política do país entre conservadores (Republicanos) e liberais (Democratas), que é retratada com preocupação pela imprensa do país. “A discórdia está instalada de forma profunda e pessoal na Suprema Corte dos Estados Unidos”, declarou a CBS News em reportagem deste domingo (8/7). “É uma discórdia que vai afetar essa corte por um longo tempo e ninguém tem ideia de quando será resolvida”, diz a reportagem.

A “ira dos conservadores”, assim definida pelo jornal Los Angeles Times, tem origem no fato de que algumas decisões importantes nos últimos 12 meses não se alinharam à constituição da Corte, de maioria conservadora. Em algumas decisões, um ministro ou outro se alinhou com o outro lado da bancada, por optar por uma decisão essencialmente jurídica. Com isso, esses ministros produziram “algumas surpresas desagradáveis” para os conservadores, segundo o Los Angeles Times.

A Suprema Corte dos EUA tem nove ministros — cinco conservadores e quatro liberais. Na ala conservadora estão o presidente da Corte, John Roberts (indicado por George Bush) e os ministros Antonin Scalia (indicado por Ronald Reagan), Anthony Kennedy (Ronald Reagan), Clarence Thomas (George Bush) e Samuel Alito (George Bush). Na ala liberal, estão o ministro Stephen Breyer (indicado por Bill Clinton) e as ministras Ruth Bader Ginsburg (Bill Clinton), Sonia Sotomayor (Barack Obama) e Elena Kagan (Barack Obama).

Nos últimos tempos, o ministro conservador Anthony Kennedy assumiu a posição de fiel da balança da Suprema Corte, se alinhando com os conservadores ou com os liberais de acordo com suas convicções jurídicas, em cada um dos casos. O ministro conservador Samuel Alito votou uma vez com os liberais e a ministra liberal Sonia Sotomayor se alinhou uma vez com os conservadores. Mas a pedra no sapato dos conservadores sempre foi Anthony Kennedy.

Mas, na votação mais politizada deste ano, destinada a manter ou derrubar a nova lei de seguro-saúde do país, conhecida como Obamacare (porque foi um projeto de lei proposto pelo presidente Obama), o ministro Kennedy se declarou, desde o início, que iria votar contra a lei. E os Republicanos consideram a extinção completa da Obamacare como favas contadas. Mas aconteceu, então, o inesperado: o presidente da Corte, John Roberts, deu uma guinada de última hora em todo o processo e se juntou à “coalizão liberal” para manter a lei que obriga todos os americanos a adquirir seguro-saúde e, com isso, gerar fundos para revitalizar o moribundo Medicaid — o serviço de previdência social para os americanos que vivem abaixo do nível de pobreza.

Foi a gota d’água que instalou a discórdia na Corte e a indignação dos conservadores do país. “Os conservadores sentiram um cheiro de traição”, diz a CBS. “Eles acham que Roberts mudou de ideia por razões erradas”, relata a reportagem. Se Roberts tivesse ficado do lado dos liberais desde o início, o resultado final teria sido mais palatável. Mas o fato de ele haver mudado de posição quase em cima da hora deixou os conservadores furiosos, diz a CBS. Curiosamente, ele tentou arduamente convencer o ministro Kennedy a também se alinhar com os liberais, para manter a lei, mas não conseguiu. Mas, enfim, Roberts deu o voto decisivo em uma questão polêmica perante a Corte que ele preside desde 2005.

Furos nas coalizões
Três dias antes de votarem a Obamacare, John Roberts e Anthony Kennedy, com o apoio de três ministros liberais, derrubaram alguns aspectos mais polêmicos da lei do Arizona que, segundo os críticos, legaliza a perseguição a imigrantes ilegais. A ministra liberal Elena Kagan se declarou impedida porque ela trabalhou nessa área, quando fazia parte do governo Obama. A Suprema Corte considerou que, em alguns pontos, o Arizona legislou em áreas que eram de competência exclusiva do governo federal. Resultado da votação: 5 a 3 para os liberais.

Em um voto que se tornou notável, segundo o Los Angeles Times, o ministro conservador Samuel Alito se juntou aos quatro liberais da corte, declarando que os americanos tinham direito à proteção constitucional de não ter seus movimentos rastreados por qualquer autoridade policial através de seus telefones celulares, GPS e outros dispositivos eletrônicos. A Constituição dos EUA protege os cidadãos contra busca e apreensões consideradas “não razoáveis” e sem mandado, mas o governo defendia a tese de que essa proteção não se estende às ruas e calçadas públicas. Resultado da votação: 5 a 4.

Com a ajuda do conservador Anthony Kennedy, os ministros liberais garantiram aos réus novos direitos nos acordos de plea bargain (confissão de culpa para evitar o julgamento, em troca de uma pena menor). Cerca de 95% dos casos criminais jamais chegam ao Tribunal do Júri. Terminam em acordo proposto pelo promotor e aceito pelo réu, com a assistência de seu advogado de defesa. No entanto, segundo os votos vencedores, muitos réus perdem a oportunidade de fazer um acordo e pegam sentenças muito altas, porque lhes faltaram uma assistência jurídica competente — algumas vezes, por um erro grave do advogado de defesa. Assim, os réus prejudicados podem pedir a revisão de seu caso em um tribunal. Resultado da votação: 5 a 4.

Kennedy também foi decisivo quando a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade das leis estaduais (e também de uma lei federal) que obrigava os juízes a aplicar automaticamente a sentença de prisão perpétua a crianças (algumas delas na faixa de 11 a 14 anos) e adolescentes, uma vez que fossem consideradas culpadas pelo tribunal do júri por qualquer crime que envolvesse morte da vítima. Os juízes sequer tinham a possibilidade de levar em consideração circunstâncias atenuantes, como idade do réu ou sua efetiva participação no crime. Muitas crianças foram sentenciadas a prisão perpétua, sem terem cometido crime de assassinato, porque foram consideradas culpadas por estarem envolvidas, por exemplo, com um crime de assalto. A decisão não vai livrar os condenados da prisão, automaticamente, mas mais de 2 mil casos serão revistos. Resultado da votação: 5 a 4.

Com a ajuda da ministra Sonia Sotomayor, que se alinha com a minoria liberal, porque foi indicada pelo presidente Obama, mas que têm tendências conservadoras, segundo a Wikipédia, a Suprema Corte garantiu novas proteções jurídicas às corporações que enfrentam sanções criminais. No passado, a corte estabeleceu que os réus tinham o direito a um júri, para decidir sobre fatos essenciais que sugeriam punições mais duras. Em junho, Sonia Sotomayor escreveu, em seu voto, que o mesmo era verdadeiro para as corporações. Resultado da votação: 6 a 3 para os conservadores. A ministra foi corajosa porque, segundo a Wikipédia, os registros históricos indicam que um ministro só vota contra sua própria bancada depois de pelo menos 5 anos no cargo. Ele foi para a corte em 8 de agosto de 2009.

Exceções à regra
Todos esses casos de votos “rebeldes” constituem, entretanto, exceções à regra. O placar normal das decisões da corte é 5 a 4 – cinco votos conservadores contra quatro votos liberais. Assim, os conservadores tiveram inúmeras vitórias nos últimos tempos. Entre as mais notáveis, por exemplo, deram ganho de causa ao Walmart, contra suas funcionárias, em uma ação coletiva por discriminação sexual. Determinaram que as prisões têm o direito de ordenar a prisioneiros que se desnudem, para fazer buscas, mesmo que não sejam considerados perigosos. Proibiram os sindicatos do setor público de coletar taxas de funcionários para financiar projetos políticos especiais.

Mas, mesmo no calor das discórdias, políticos conservadores esperam que a poeira assente e que os ministros conservadores façam as pazes com o presidente Roberts, para que a coalizão majoritária volte a imperar. A partir de setembro, a Suprema Corte vai decidir dois casos de grande interesse para os conservadores: uma lei sobre direito ao voto e outra sobre o casamento. A lei do casamento, que os conservadores querem manter intacta, estabelece que o matrimônio somente pode ocorrer entre um homem e uma mulher.

João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

Revista Consultor Jurídico, 9 de julho de 2012

In: Conjur – Suprema Corte dos EUA enfrenta momento de discórdias pessoais.